Em uma série de artigos, vou tentar mostrar rapidamente como fiz uma casaca seguindo o que aprendi de alfaiataria tradicional no livro Classic Tailoring Techniques/Men’s Wear de Cabrera e Meyers. Infelizmente, as fotos que fiz durante o processo não ficaram boas, e algumas eu esqueci de fazer. Não dá pra fazer um passo-a-passo mais detalhado com elas, então vou pelo menos matar a curiosidade de quem se interessa pelo assunto. Também espero que ajude aqueles que resolverem fazer uma dessas.
A casaca é um casaco que faz parte do White Tie, o traje masculino mais formal. Deve acompanhar colete branco, gravata branca, camisa engomada, calça com faixa na lateral e até cartola. Ela é cortada mais curta na frente e também mais aberta, sendo que é impossível fechá-la. Tem lapelas de cetim ou seda, e cauda atrás. Veja imagens aqui.
É imprescindível fazer um protótipo da modelagem antes de cortar o tecido. Deve ficar perfeita nos ombros, acinturada, e a cauda deve ser modelada no quadril para cair reta. Com relação ao comprimento, o ideal é que a frente cubra o cós da calça, e que a cauda termine na altura dos joelhos. A manga só é provada depois.
A modelagem desta peça é composta por 4 painéis no tronco – frente, painel lateral (sob os braços), painel do centro das costas e painel da lateral das costas (recorte “princesa”). A lapela deve ser aquela com ponta, e a gola é a tradicional de alfaiataria, assim como as mangas. A modelagem da cauda é formada por 2 painéis, e na junção deles se forma uma prega.
Cortei a peça de um tecido de viscose de fibra de bambu que imita a lã fria. Não encontrei lã fria pra vender aqui, então essa foi a melhor opção. Não dá pra trabalhar com ele do mesmo jeito que com lã de verdade, pois ele não se molda com o vapor, o que dificulta fazer as mangas, por exemplo. Mas é mais macio e mais leve.
Frente
A pence da frente é inclinada. Desenhei com a ponta alongada para que ficasse com um formato mais suave, depois alinhavei para transferir a marcação para a outra frente. Antes de fechar a pence à máquina, alinhavei. Isso evita que o tecido estique demais enquanto é costurado, já que a pence está no viés. Além disso, as camadas de tecido não se desalinham.
Depois e costurá-la, cortei-a ao meio para diminuir o volume. Passei a ferro com uma almofada embaixo para que não perdesse sua forma. Agora que a frente já não é mais plana, é importante tomar esse cuidado.
Costurei a frente ao painel lateral. Perceba como são acinturados. Aqui também alinhavei antes de costurar à máquina, e também passei a costura aberta.
A casaca tem apenas um bolso externo, é o bolso do peito, na frente esquerda da peça. É igual ao que encontramos em ternos. Na foto acima, a linha branca marca a posição do bolso.
Fiz esse bolso com um pouco mais que 10 centímetros, apesar de o livro indicar que fosse feito com 11,5cm. Achei que a frente do casaco estava muito estreita para fazê-lo tão grande. A altura é de 2,5cm e a inclinação é de 1,5cm.
Entretela
Esta é a primeira camada de entretela, já cortada no formato para aplicar. Ela cobre toda a região da lapela, dos ombros, da cava, do peito e da cintura da frente, e tem uma margem de costura maior do que a frente cortada no tecido. A pence da entretela é igual à do tecido, e é recortada para que não fique volumosa. Desenhei a linha da dobra da lapela pois vai ser usada depois.
A entretela, neste caso, assume várias funções. A primeira é dar forma à região dos ombros e do peito da roupa. A segunda é dar forma e rigidez à lapela. A terceira é evitar que o tecido amasse. Por último, evita que a frente da casaca se deforme com o uso.
Na alfaiataria tradicional, a entretela usada para essa parte é a chamada wool canvas, feita de pêlo de animais. Infelizmente não temos essa à venda na cidade. Em substituição, estou usando a entretela cavalinho, que tem um peso legal para usar com o tecido da casaca, que é leve. Temos que levar em consideração que a manga e as costas da peça não levam entretela, então ela não pode ser muito pesada a ponto de parecer estranha junto com o tecido. É importantíssimo fazer um teste de caimento colocando o tecido sobre a entretela.
Acima, a entretela com as pences já costuradas. A pence do ombro é na verdade um corte em que foi inserido um outro pedaço de entretela em forma de V. A pence da cintura foi costurada em zigzag com uma tira de forro embaixo para reforço.
Na região do peito apliquei uma outra camada de entretela, esta bem mais dura, que é o que mantêm a forma na região do ombro até a cava. Nela também foi feita uma pence. O livro indica usar uma entretela chamada haircloth. Em cima dela, uma camada de flanela para que a entretela dura não machuque. Aqui usei feltro, pois não tinha flanela em casa. Essas camadas estão no avesso da entretela maior.
Alinhavei todas as camadas juntas com pontos diagonais em espinha de peixe. Os alinhavos começam a uma distância da cava e do ombro, como podem ver na foto, e terminam nas beiradas da flanela.
Coloquei a frente da roupa sobre essa entretela e comecei a alinhavar. O objetivo é juntar as duas camadas sem formar bolhas, então tem que ir com calma e alisar pedaço por pedaço.
Mais alinhavos. A lapela toda fica livre por enquanto. O ombro e a cava também, pra poder mexer neles depois.
Risquei na entretela a margem de costura exata ao redor da lapela. Depois disso, comecei a fazer os pontos que seguram e dão forma à lapela. São pontos diagonais em espinha de peixe, que faço bem pequenos, mas costumo ver na internet pontos muito mais largos e espaçados do que estes. Devem seguir em linhas paralelas à linha da dobra da lapela. A linha de costura para este trabalho tem que ser encerada, e da mesma cor do tecido.
Depois de mais ou menos 4cm de alinhavos, dobrei a lapela para trás e costurei com ela nessa posição, para que ela fique assim na roupa pronta. Fiz o mesmo com a ponta, então ela não fica enrolada para a frente.
A lapela costurada desse jeito tende a manter sua forma, como dá pra ver na foto acima.
Depois disso, passei a lapela e cortei a margem de costura.
O próximo passo é aplicar fita de algodão sarjada, também conhecida como cadarço sarjado, desde o pescoço até o final da bainha, para o lado de dentro da margem de costura. Costurei a fita com pontos diagonais, que neste caso não podem aparecer do lado direito do tecido. A fita ajuda a definir as beiradas do casaco.
Costurei outro pedaço de fita, agora sobre a linha da dobra da lapela. Puxei-a um pouquinho, franzido a entretela, e prendi bem.
Já viram blazers e paletós em que a lapela está bem frouxa e fica sobrando? Essa fita vai segurar a lapela bem perto do corpo da pessoa para que isso não aconteça. Também vai impedir que essa região estique com o tempo.
Em seguida, costurei as beiradas das fitas à entretela com pontos corrediços pequenos, e a fita da lapela com ponto espinho, como podem ver na foto seguinte.
Na foto acima, a vista da lapela já está posicionada sob a frente. Tradicionalmente, a vista deve ser cortada reta, e o formato da lapela deve ser moldado com o ferro. Como o tecido que estou usando é de algodão, fiquei uma meia hora tentando fazer isso, mas não consegui esticá-lo quase nada, então cortei mesmo. Dá pra ver que a margem de costura da vista está maior que a da frente.
Alinhavei a vista, da ponta da lapela até chegar à bainha, com pontos diagonais sobre a fita sarjada. Na parte em que a lapela faz a dobra, deixei uma folga de tecido na vista para que ela possa dobrar.
Vista da lapela
A parte de cima da ponta da lapela precisa de uma folguinha de tecido para que a costura não apareça quando a peça é usada. Para isso, puxei o tecido de leve na ponta, e alinhavei pelo lado da vista.
Costurei à máquina, a 1mm de distância da fita. A costura só vai daquele canto da lapela (no lado esquerdo da foto) até à bainha.
A bainha da frente fiz assim: dobrei a margem de costura sobre a fita sarjada e costurei com pontos diagonais.
Aparei o excesso da margem da lapela e da vista, e dobrei sobre a fita sarjada para costurar, como fiz com a bainha. A diferença aqui é que em toda a parte da lapela, devemos dobrar a margem sem puxar, e no resto devemos puxar a margem até que a costura apareça. Isso ajuda a manter a costura da vista escondida quando a peça for usada.
Depois disso, virei a lapela e alinhavei ao redor da vista toda. É importante, nesta etapa, tomar cuidado para manter a costura sempre escondida, ou seja, na lapela ela tem que ficar para o lado do tecido sem brilho, e no resto da frente deve ficar voltada para o lado com brilho.
Na bainha, dobrei a vista para dentro e alinhavei. Depois costurei à mão.
Para terminar, alinhavei a vista à lapela sobre a linha da dobra.
As vistas prontas. Veja como se comportam: a costura não aparece no lado de fora, e elas se mantêm no lugar e dobram exatamente onde foi planejado. Tanta costura à mão valeu a pena, na minha opinião.
Forro
A última etapa para completar a frente do blazer é costurar o forro…
Prender a margem de costura (vista+forro) à entretela com ponto espinho e alinhavar o forro à frente deixando apenas uma margem de uns 2cm livres, ao redor da cava, bainha e costura lateral.
Ufa! Essa parte é bem cansativa, mas os resultados são ótimos. Na próxima parte, mostrarei a costura do forro e junção das costas, cauda e ombros, bem mais simples do que a frente.
O que achou do processo? Alguma parte chamou mais a sua atenção?
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